Quilombos eram locais bem escondidos, de difícil acesso, onde os escravos fugidos se reuniam, construíam suas casas, plantavam suas roças e viviam em sociedade, livres da escravidão... pelo menos enquanto não fossem atacados pelos capitães-do-mato.
Minas Gerais, só no período entre 1695 a 1790, teve mais de uma centena quilombos, ou povoações de gente pobre que, rebeldes ao governo, foram assim qualificadas pelas autoridades coloniais, o que amplia, DE FATO, o próprio conceito jurídico-objetivo do que tenha realmente sido um QUILOMBO, nesse período e nessa região colonial.
O advogado e pesquisador da História mineira, Tarcísio José Martins, em seu livro "Quilombo do Campo Grande – A História de Minas Roubada do Povo" traz à lume fatos, documentos e abordagens inéditas não só sobre nossos quilombos, mas também sobre a própria História das Minas Gerais colonial.
Segundo as notícias que dá esse pesquisador, o Quilombo do Campo Grande, tão importante quanto o de Palmares, NÃO era um quilombo comum, como sempre imaginaram os historiadores que até hoje trataram do assunto. E destaca alguns pontos interessantíssimos, nunca levantados por outro historiador.
Destaca, por exemplo, que o Campo Grande era MAIOR que Palmares, pois, enquanto aquele Estado-Quilombo nordestino só tinha 9 núcleos ou vilas, o Campo Grande chegou a ter cerca de 25 vilas ou núcleos, sendo que, em 1759/1760, ainda tinha mais de 18 povoações esparramadas pelo Alto São Francisco, Alto Paranaíba, Triângulo, Centro-Oeste e Sudoeste de Minas.
1 - Quilombo do Gondum; 2 - Quilombo dos Trombucas; 2.1 - Quilombo do Calunga; 3 - Quilombo do Quebra-pé; 3.1 - Quilombo do Cascalho I; 4 - Quilombo da Boa Vista I; 5 - Paiol do Cascalho; 6 - Quilombo do Cascalho II; 7 - Palanque da Povoação do Ambrósio; 7.1 - Primeira Povoação do Ambrósio; 8 - Quilombo da Marcela; 9 - Quilombo da Pernaíba ou Paranaíba; 10 - Quilombo da Indaá ou Indaiá; 11 - Quilombo do Ajudá; 12 - Quilombo do Mammoí ou Bambuí; 13 - Quilombo de São Gonçalo I; 14 - Quilombo do Ambrósio; 15 - Quilombo do Fala; 16 - Quilombo das Pedras; 17 - Quilombo das Goiabeiras; 18 - Quilombo da Boa Vista II; 19 - Quilombo Nova Angola; 20 - Quilombo do Cala Boca; 21 - Quilombo do Zondum ou Zundum; 22 - Quilombo do Pinhão; 23 - Quilombo do Caetê; 24 - Quilombo do Chapéu; 25 - Quilombo do Careca.
Outro ponto que destaca esse pesquisador é o de que os povoados do Campo Grande eram habitados, principalmente no seu início, por pretos (*) forros e por brancos pobres que fugiam do sistema tributário da Capitação, e NÃO apenas por escravos fugidos.
(*) PRETOS, como gênero das espécies negro estrangeiro, crioulo, cabra, pardo ou mulato e cariboca(*) ou cafuzo. (*) Cariboca é sinônimo de cafuzo. Dicionário Aurélio, equivocado.
Ressalta, o historiador, os seguintes fatos histórico-sociais que fizeram o contexto desse quilombo de pretos forros* (alforriados, "livres") e brancos pobres:
Os emboadas, ou reinóis mineiros (brancos portugueses), só venceram os paulistas porque utilizaram contra os mesmos, os seus escravos pretos que sempre armaram e organizaram na forma de pelotões ou esquadras chamadas Henriques ou Zuavos, nomes inspirados nas tropas do grande Henrique Dias.
Os emboabas, quando vieram paras as Minas, não trouxeram mulheres brancas. Miscigenaram-se com as negras que usaram como escravas, prostitutas e até concubinas, gerando, num curto espaço de tempo, o maior contingente de mulatos que o mundo já vira.
O trabalho nas Minas, diferentemente do trabalho no engenho, gerava – necessariamente – muitas alforrias, popularizando, nas Minas, a figura jurídica da Quartação, ou seja, a compra, pelo próprio escravo, de sua alforria em quatro pagamentos.
Tudo isto gerou alforrias como nunca se vira em toda a História do Brasil. Quando, em 1720/1721, os reinóis mineiros se impuseram de vez aos paulistas e a Capitania de Minas Gerais ganhou sua autonomia político-administrativa, cerca de 90% da população "livre" das Minas Gerais, na verdade, era representada por pretos forros.
Em conseqüência de tudo isto, os pretos forros, principalmente os mulatos, começaram a subir na escala social da sociedade branca. Havia pretos alferes, capitães, padres, funcionários públicos, escrivães e até juízes de vintena, juízes de pequenas comunidades.
A partir de 19.09.1725, os reinóis resolveram dar um basta a esse estado de coisas. Passaram a cumprir a lei e a restringir com mais rigor, através de mais decretos e bandos, essa mobilidade social que principalmente os pardos forros vinham obtendo na sociedade "livre" mineira.
Assim, quando Gomes Freire, em 08.08.1746, informou ao Rei que havia MAIS DE VINTE ANOS (portanto, desde 1726) começara a se formar, no CAMPO GRANDE, um troço de negros a que vulgarmente chamam quilombos, lógica é a conotação, mesmo em nível de causa parcial, com as "providências" tomadas contra os pretos forros em 1725.
Outra grande decepção dos pretos forros, sem dúvida, foi a implantação do sistema tributário da Capitação, em 1734/1735, onde os pretos forros, mesmo os possuidores de escravos, tinham que pagar – também por si próprios – esse imposto SEMESTRAL.
A Lei da Capitação, em sua emenda, é claríssima: os pretos forros tinham que pagar a Capitação semestral sobre suas próprias pessoas, sob pena de multa, prisão, açoite e expulsão da Capitania.
Quem implantou essa Lei (de autoria do irmão do Pe. Bartolomeu de Gusmão, Alexandre de Gusmão), contra a vontade de todos os mineiros, foi Gomes Freire de Andrada, Capitão-General que governava a Capitania do Rio de Janeiro desde 1733 e que, em 1735, passou a governar também a Capitania de Minas e, depois, todo Sul de nosso País, então, até o atual Uruguai.
As listas utilizadas para a cobrança (matrícula) do imposto da CAPITAÇÃO demonstram claramente que:
a) A enorme massa de pretos forros, ante a opressão e a repressão tributária, desapareceu das vilas oficiais; foram morar em povoados livres que fundavam nos sertões. As autoridades passaram a chamar esses povoados de "quilombos" e, a seus habitantes, apesar de serem forros ou livres, para justificar a violência e o morticínio, passaram a chamar de "aquilombados" ou "quilombolas".
b) Os documentos da Capitação (confirmados por outros documentos) provam também que só no período de 1745 a 1748 DIMINUÍRAM mais de QUINZE MIL pretos escravos das Listas de Matrícula das Minas Gerais. Destes, 5 MIL sumiram exatamente das Listas de 1746 para 1747. Como não houve, no período, qualquer epidemia ou doença e a entrada de negros novos nas Minas foi até maior, a conclusão é a de que essa diminuição indique escravos fugidos, em sua maioria, juntamente com seus próprios senhores – brancos pobres e pretos forros – para os povoados ou "quilombos" dos sertões do Campo Grande.
A Capitação terminou (foi extinta) em 1750/1751, mas os seus efeitos – divida dos pretos forros e brancos pobres para com o Fisco Colonial – ainda persistiram por muitos anos.
O Historiador mineiro, Diogo de Vasconcelos, dá notícia de que em 1752 – quando do ataque à bandeira do Pe. Dr. Marcos Freire de Carvalho – a população do Campo Grande era orçada em mais de 20.000 (vinte mil) habitantes, muitos negros e, entre eles, pardos e brancos criminosos.
Realmente, o Mapa do Campo Grande – desenhado pelo Capitão Antônio Francisco França em 1763 – dá notícia (pelo número de CASAS apontadas) que, em 1760, a população do Campo Grande, apesar da extinção da Capitação em 1750/1751, ainda era de mais de 10.000 (dez mil) habitantes.
Como se vê, não há dúvida da participação majoritária dos pretos forros nos quilombos do Campo Grande, principalmente em seu início.
Outro fato importante, também destacado pelo Pesquisador Tarcísio José Martins, é a verdadeira guerra fria movida por Gomes Freire contra a Capitania de São Paulo, cuja destruição política foi efetivamente implementada por esse Governador "mineiro", com uma obstinação nunca vista num servidor do Rei de Portugal.
A divisão (fronteira) das Capitanias de Minas e São Paulo, a partir do Rio Sapucaí, se fazia pelo Rio Grande, de maneira que parte do Sul e todo Sudoeste de Minas de hoje sempre pertenceram à Capitania de São Paulo.
Houve vários confrontos bélicos diretos do Governador "paulista", Dom Luiz Mascarenhas, com Gomes Freire de Andrada, "o mineiro", pela conquista desse território, primeiramente na Campanha do Rio Verde (hoje cidade de Campanha) e, depois, em Santana do Sapucaí (hoje, Silvianópolis). O Capitão-General dos paulistas, nos últimos episódios desta história, foi representado por Francisco Martins Lustosa (português, casado com uma paulista de Moji das Cruzes) e, Gomes Freire, pelo Ouvidor da Comarca do Rio das Mortes.
Em meio a essa guerra contra a Capitania de São Paulo, as DUAS primeiras ondas de ataques aos "quilombos" do Campo Grande foram as seguintes:
a) em 1741, documentos mencionam ataques aos "quilombos" de Susuy e Peropeba, na verdade, vilas que nunca foram quilombos e que deram origem aos atuais municípios de Entre Rios de Minas/MG, São Brás do Suaçuí/MG e Queluzita/MG.
b) em 1743, outros documentos mencionam ataques comandados pelo Tenente Manoel Cardoso da Silva e Alferes Sebastião Cardoso de Meneses (ou Morais) aos seguintes quilombos apontados pelo Mapa do Campo Grande:
1) Quilombo ou Povoado do Gondum, localizado em território do atual município de Carmo da Cachoeira/MG;
2) Quilombo ou Povoado das Trombucas, localizado a noroeste do atual município de Nepomuceno/MG; depois, teria se mudado para território no atual município paulista de Pedregulho/SP;
2.1) Quilombo ou Povoado do Calunga, também localizado em território do atual município de Nepomuceno/MG; depois, teria se mudado para o nordeste do atual Estado de Goias, onde até hoje sobrevive conforme recentes descobertas.
3) Quilombo ou Povoado do Quebra-Pé, a oeste do atual município de Três Pontas. É provável que ficasse próximo da primeira Povoação do Cascalho.
4) Quilombo ou arraial da Boa Vista I , em território localizado no extremo norte do atual município de Campos Gerais, entre Campo do Meio e Boa Esperança. (*)
(*) Obs.: O Paiol (5) e o "novo" Quilombo do Cascalho (6) serão abordados na ordem cronológica das batalhas que os envolveram (1760).
Há inúmeros documentos que provam esta guerra de fronteiras, onde Lustosa se cercava de paulistas e renegados das Gerais, a maioria de pretos e "facinorosos". O Ouvidor do Rio das Mortes, nos ataques a Lustosa, utilizava-se de esquadras de soldados e de capitães-do-mato das Gerais. Essa autoridade do Rio das Mortes, pode-se dizer, foi derrotada em todas essas campanhas (guerras). Período de 1737 a 1748.
A esta época, o Rei Ambrósio, mencionado nas Cartas Chilenas como Pai Ambrósio, já tinha o seu POVOADO onde, hoje, se situa o município de Cristais/MG, margem direita do Rio Grande. O já mencionado Mapa do Campo Grande, realmente, aponta esse núcleo, em 1760, como "Primeira POVOAÇÃO do Ambrósio - despovoada" e não como "quilombo".
Em meio às guerras de fronteiras que travava com o Governo de São Paulo, Gomes Freire se aproveitou de que Lustosa havia viajado para São Paulo com suas tropas e, em 1746, contratou o Coronel Antônio José de Oliveira para destruir a Povoação do Ambrósio e outros "quilombos" nas suas proximidades. A evidência é a de que se tratava de uma povoação de LAVRADORES.
7) Primeiro, atacaram fortificações dos quilombolas (palanques e trincheiras) localizadas em vários locais do território do atual município de Formiga/MG; foram mais de 24 horas de luta. É a luta quilombola mais heróica e encarniçada que as Minas Gerais já viram (ou NÃO viram). (*) Os documentos noticiam apenas que foram mortos vinte e tantos quilombolas e sessenta e tantos foram feitos prisioneiros; quinze atacantes ficaram feridos. Esses quilombos ou fortificações não constam do Mapa do Campo Grande.
(*) As tropas atacantes: soldados montados, vestidos de túnicas escamadas (rodelas de couro cru), armados de escopetas, reiúnas, lazarinas, pistolas, pistoletes, lanças e granadas. Os quilombolas: armados apenas de flechas, lanças e pedras resistiram e venderam caro suas vidas.
7.1) Destruídas as fortificações, as tropas desceram para o atual município de Cristais/MG e atacaram a própria POVOAÇÃO do Ambrósio. Foi uma grande mortandade. Os documentos registram que fizeram mais de 130 prisioneiros, vários chefes e muitas negras e crias (crianças). Segundo a correspondência oficial, o Rei Ambrósio teria sido morto nesta batalha. (*)
(*) As listas de matrícula da Capitação apontam o "sumiço" de cerca de 5 MIL escravos, exatamente do ano de 1746 para 1747.
Lustosa voltou com ordens escritas do Capitão-General de São Paulo, fazendo-o seu delegado naquela região, a quem todos, em nome do próprio Rei, passariam a dever obediência e tributos. Gomes Freire teve de engolir o seu ódio por mais algum tempo.
Em 1748, Gomes Freire conseguiu o seu intento contra a Capitania de São Paulo. Conseguiu que o Rei lhe tirasse o predicamento de "Capitania", transformando-a num simples "distrito" do Rio de Janeiro. A esta altura, Gomes Freire governava de fato toda a "Repartição Sul". O Capitão-General de São Paulo recebeu ordens do Rei para tomar o primeiro navio e retornar urgentemente para Lisboa.
Gomes Freire, nessa ocasião, mandou buscar, confiscar, TODOS os livros administrativos da extinta Capitania de São Paulo. Grande parte desses documentos, "sumiram" no Rio de Janeiro. Isto explica, em parte, o desconhecimento dos fatos agora elucidados e tornados públicos pelo pesquisador Tarcísio José Martins.
Lustosa, a convite de Gomes Freire, foi obrigado a ajudar a Tomaz Rubim de Barros Barreto a fazer a nova demarcação da região, abocanhando aquele território paulista que, desde então, passou a pertencer às Minas Gerais, mais ou menos com as confrontações que, hoje, têm esses dois Estados brasileiros.
Depois disto, Gomes Freire cobrou de Lustosa o Imposto da Capitação que, no período anterior, deveria ter cobrado dos jurisdicionados da região do Sapucaí. Lustosa nunca cobrara a Capitação naquela região e, assim, teve que fugir para o Paraná(*), isto, por volta de 1749/50. (*) Viria a se tornar um dos principais da Vila de Curitiba.
Os povoados do Campo Grande ficaram à sua própria sorte. Mas, Gomes Freire não pôde, ainda, concluir a sua destruição. Morreu D. João V, sendo sucedido por D. José I, cujo Primeiro Ministro foi o Marquês de Pombal. O tributo da Capitação foi extinto imediatamente pelo novo ministro. A política sofreu muitas transformações. Gomes Freire perdeu um pouco de poder na Colônia. Recebeu determinação para cuidar da demarcação das fronteiras do Sul, juntamente com espanhóis. Deixou em seu lugar, nas Minas, o seu próprio irmão, José Antônio Freire de Andrade (sic).
Deixou ordem para que seu irmão não provocasse mais os paulistas, cuja nobreza estava esparramada pelos quatro cantos da Colônia, ocupando cargos dados pelo próprio Gomes Freire, em outras capitanias, de forma a manter a Capitania de São Paulo sempre despovoada de seus "homens bons", de sua "nobreza".
A região do "Sapucaí" (margem esquerda do Rio Grande) estava demarcada, mas NÃO conquistada. Estava estrelada de povoados de pretos forros e brancos pobres, todos renegados e hostis a qualquer governo.
José Antônio Freire de Andrade mandou que o Pe. Dr. Marcos Freire de Carvalho marchasse com uma expedição para, em nome do Bispado de Mariana, tomar posse da região, isto, em 1752.
Mal o padre e sua tropa adentraram o Campo Grande, foram massacrados pelos quilombolas, liderados pelo próprio Rei Ambrósio – que então, não morrera em 1746 – perdendo, o padre, a sua preciosa carga e todos os seus escravos para os quilombolas.
Ante este fato, o Bispado de São Paulo abriria (anos mais tarde) ação contra o Bispado de Mariana, junto aos tribunais de Roma, onde, provando posse mais antiga, recebeu parecer favorável à continuidade da sua posse sobre a região. Neste sentido, muitas das paróquias daquela região, até meados deste século XX, AINDA pertenciam ao Bispado de São Paulo.
Assim, aquela região riquíssima, apesar de conquistada no Cível – pois no Eclesiástico continuava a pertencer ao Bispado de São Paulo – continuou na posse, de fato, dos QUILOMBOLAS e AQUILOMBADOS do Campo Grande.
Em 1756 há uma denúncia, provavelmente falsa, de que os quilombolas do Campo Grande planejavam, também na Quinta-feira Santa (como em 1719), roubar as armas dos brancos e dos pretos forros (*), enquanto estes estivessem nas igrejas, e, com essas armas, matar a todos, só perdoando as mulheres e as crianças.
(*) Extinto o imposto da Capitação, os forros renegados foram incentivados a voltar para as vilas oficiais.
Nada aconteceu. Mas, em 1757 o Governador José Antônio ainda escrevia ao Rei e ao seu irmão Gomes Freire sobre o assunto. Nesse ano, contratou dois paulistas-reinóis (paulistas que ainda viviam nas Minas), Diogo Bueno e Bartolomeu Bueno do Prado, para arregimentarem e treinarem tropas para destruir o Campo Grande.
Em 1758, Diogo Bueno, indo de canoas pelo Rio Grande, atacou um pequeno remanescente da Povoação do Ambrósio, em Cristais/MG. É provável que, sob tortura aos prisioneiros, conseguiu descobrir que o Quilombo do Ambrósio se localizava, agora, em Ibiá/MG e não mais em Cristais/MG.
No período de setembro a novembro de 1759, Bartolomeu Bueno do Prado, com uma tropa de cerca de 500 homens (entre brancos, índios e capitães-do-mato), armados até com granadas e montados em cavalos, atacou e destruiu os seguintes quilombos:
08 – (Livro: 25) Quilombo ou Povoado da Marcela: este quilombo não constou do Mapa de França, mas pôde ser localizado por referências em outros documentos. Localizava-se em território entre os atuais municípios de Campos Altos/MG e Santa Rosa da Serra/MG ou entre Córrego Danta/MG e Luz/MG.
09 – (Mapa: 24) Quilombo ou Povoado da Pernaíba, com 70 casas: localizava-se em território do atual município de Rio Paranaíba/MG.
10 – (Mapa: 23) Quilombo ou Povoado do Indaá, com 200 casas: localizava-se em território entre os atuais municípios de Santa Rosa da Serra/MG (nordeste), Estrela do Indaiá/MG (noroeste) e Serra da Saudade/MG (sudoeste).
11 – (Mapa: 22) Quilombo ou Povoado de Ajudá, apontado no Mapa como despovoado e não traz a referência "quilombo": localizava-se entre os municípios de Medeiros/MG e Bambuí/MG, especificamente, "Fazenda D’Ajuda", pertencente a este último município.
12 – (Mapa: 21) Quilombo ou Povoado do Mammoí, com 150 casas: localiza-se às margens do Rio Bambuí, entre os municípios Bambuí/MG (norte), Córrego Danta/MG (sul) e Tapiraí/MG (extremo leste).
13 – (Mapa: 20) São Gonçalo, apontado como "despovoado"; também não traz a referência "quilombo": localizava-se em território do atual município de São Gotardo/MG.
14 – (Mapa: 19) Quilombo do Ambrósio, apontado no Mapa de França, em 1760, como "despovoado". Este fato é desmentido por documentos que revelam que esse quilombo, em 1759, estava "evacuado", mas NÃO despovoado. Seus paióis, inclusive, foram encontrados abarrotados de alimentos: localizava-se em território do atual município de Ibiá/MG.
Ao final desse ataque, quase que só há notícias de pretas (mulheres) presas nos quilombos supracitados. A interpretação dos fatos em face dos poucos documentos não deixa dúvida de que a captura dos quilombolas foi a exceção, e, o morticínio, a regra de Bartolomeu Bueno do Prado.
Daí, Bartolomeu e suas tropas foram para o Piuhim (hoje, cidade de Piuí/MG) onde se encontraram com parte das tropas que, ali, havia ficado na espreita. Deixaram ali amarradas as pretas e uns poucos pretos quilombolas que fizeram prisioneiros e partiram, agora – segundo suspeitíssimos documentos – para o SAPUCAÍ, que "dizem ser o mais antigo e populoso de todos os quilombos".
Nunca existiu um quilombo com o nome de Sapucaí. O Mapa do Campo Grande demonstra que, sob a notícia de ser um único quilombo, de nome "Sapucaí", Bartolomeu atacou e destruiu, na verdade, ONZE povoações de pretos forros.
15 - (Mapa: 8) Assim, a tropa de Bartolomeu, agora reforçada pelas tropas de mais três de seus capitães, com um contingente de mais de MIL homens, atravessou o rio Grande e tomou o ja destruído Quilombo ou Povoado do Fala, hoje município de Guapé/MG. Vejamos os demais "quilombos" atacados.
16-(Mapa: 9) Quilombo ou Povoado das Pedras; não aponta o número de casas: provavelmente se localizava entre os territórios dos atuais municípios de Alpinópolis/MG (sudeste), ou Carmo do Rio Claro/MG (sudoeste) e/ou Nova Resende/MG (nordeste).
17 – (Mapa: 10) Quilombo ou Povoado das Goiabeiras, com 90 casas: não pudemos localizar com precisão, porém, devia se localizar em territórios dos atuais municípios de Franca/SP ou Capetinga/MG.
18 – (Mapa: 11) Quilombo ou Povoado da Boa Vista II, com 137 casas: sem dúvida, se localizava em território do atual município de Capetinga/MG (sul), entre São Tomaz de Aquino/MG e Pratápolis/MG, ao extremo norte de São Sebastião do Paraíso/MG.
19 – (Mapa: 12) Quilombo ou Povoado da Nova Angola, com 200 casas: é provável que se localizava entre os atuais territórios dos municípios de São Sebastião do Paraíso/MG (noroeste) e São Tomás de Aquino/MG (sul).
20 – (Mapa: 13) Quilombo ou Povoado do Cala Boca, com 90 casas: localizava-se em território entre os atuais municípios de Guaranésia/MG e Guaxupé/MG.
21 – (Mapa: 14) Quilombo ou Povoado do Zondum, com 100 casas: localizava-se em território do atual município de Jacuí/MG.
22 – (Mapa: 15) Quilombo ou Povoado do Pinhão, com 90 casas: localizava-se em território do atual município de Passos/MG (sul).
23 – (Mapa: 16) Quilombo ou Povoado do Caetê, com 80 casas: localizava-se em território do atual município de Nova Resende/MG (sudeste).
24 – (Mapa: 17) Quilombo ou Povoado do Xapeo (Chapéu), com 70 casas: localizava-se em território do município de Monte Belo/MG (nordeste), distrito de Santa Cruz Aparecida/MG.
25 – (Mapa: 18) Quilombo ou Povoado do Careca, o maior de todos, com 220 casas: localizava-se em território do atual município de Divinolândia, no Estado de São Paulo.
Sobre "esse" quilombo (Sapucaí) que era "o mais antigo e povoado de todos", como se vê, existe evidente omissão até mesmo de sua verdadeira dimensão e número de povoações nos documentos oficiais encontrados. Pedro Taques, historiador paulista que viveu na época dos fatos, no entanto, registrou que só no "Sapucaí", Bartolomeu, pessoalmente, matara mais de 2.000 pretos.
Há outra notícia – do mesmo Pedro Taques – de que, no geral, Bartolomeu, após a última batalha de dez/1759, entregou cerca de 3.900 pares de orelhas ao Governador José Antônio Freire de Andrade.
Entre outubro e novembro de 1760, Antônio Francisco França, juntamente com Diogo Bueno, é encarregado de pesquisar ouro no Campo Grande. Saíram da Povoação dos Buenos (Hoje, município de Carrancas) e foram se arranchar no destruído Quilombo da Boa Vista I (*), provavelmente no extremo norte de Campos Gerais, entre Campo do Meio e Boa Esperança.
(*) Vide quilombos enumerados de 1 a 4, batalha de 1743, no início deste texto.
5 - Dali, marcharam a sudoeste e foram destruir o o último paiol dos quilombolas, a nordeste do atual município de Alfenas.
6 - Prosseguiram no rumo sudoeste e foram destruir o Povoado ou Quilombo do Cascalho II, localizado ao norte de Serrania, sul do atual território de Alfenas /MG. O povoado que deu origem a Alfenas, aliás, se chamava "Cascalho ou São José, e Dores".
Depois disto, na volta, a tropa tornou a arranchar-se no destruído Quilombo da Boa Vista I, Campos Gerais, e lá desenhou o importantíssimo Mapa do Campo Grande.
O pesquisador Tarcísio José Martins revela que encontrou esse mapa em seu original, na Coleção da Família Almeida Prado, Instituto de Estudos Brasileiros, na Universidade de São Paulo – USP. As Faculdades de História e Solciologia da USP, no entanto, sempre desprezaram esse importantíssimo documento. (!).
Este mapa, apesar de estudado por muitos historiadores mineiros, nunca tinha sido desvendado porque, "salvo melhor interpretação", ironiza o pesquisador Tarcísio José Martins, vinha sendo analisado e estudado de "cabeça para baixo". Está legendado de maneira que seu Sul fica para cima e, seu Norte, para baixo.
Depois de todo esse morticínio, final de 1760, não há mais notícias do Rei Ambrósio. Entre os prisioneiros, o de maior destaque é Pedro Angola. Dele, disse o Governador José Antônio Freire de Andrade EM VÁRIAS CORRESPONDÊNCIAS que era para ser enviado galés para o Rio de Janeiro, pois, "em esse negro se soltando não ficará negro algum nesta Capitania que ele não torne a conduzir de volta para os quilombos do Campo Grande".
A partir daí, revelam os documentos que os quilombolas que escaparam do Campo Grande ficaram enlouquecidos. Atacam a capela de Bambuí; atacam quartéis de guarda; atacam fazendas; fazem prisioneiras brancas; botam freios na boca de homens brancos e os cavalgam; matam; descarnam; etc.
Obs.: Gomes Freire morreu em 1763. Neste mesmo ano, a capital da Colônia se deslocou de Salvador para o Rio de Janeiro. São Paulo recobrou o predicamento de Capitania, o que só se concretizaria em 1765.
Luiz Diogo Lobo da Silva, novo governador da Capitania de Minas Gerais, em 1764, faz uma longa viagem percorrendo toda a região que fora abrangida pelo "Sapucaí" no destruído Campo Grande. Toma providências criando fortes, melhorando picadas, instalando tropas e distribuindo sesmarias.
Mesmo assim, a região do "Sapucaí" ficaria praticamente despovoada até por volta de 1875/1880 (século XIX), quando passou a receber grandes contingentes de imigrantes italianos que se instalaram nas terras "quilombolas". Atualmente, seus descendentes estão descobrindo o Campo Grande e redescobrindo a História dos primórdios da ensanguentada Terra que recebeu seus ancestrais.
A partir de 1769, Inácio Correia Pamplona, a mando de Luiz Diogo, também fingindo nada saber ou menosprezando a importânica do ataque de Bartolomeu Bueno, fez várias expedições ao Ambrósio de Ibiá-MG e adjacências, tentando abocanhar para as Minas Gerais mais esse "território quilombola". No entanto, somente depois de 1816 é que o governo mineiro viria a se apropriar também do Triângulo Mineiro.
Quantos pretos morreram no Campo Grande? Quantos brancos pobres, aquilombados, morreram no Campo Grande? Os documentos encontrados não são claros... ao contrário.... são muito obscuros.
Muitos documentos – há claras evidências – foram destruídos pelo próprio Gomes Freire de Andrada. Outros, principalmente no período de 1750 a 1760, mesmo nos arquivos das Minas Gerais... sumiram...(?!).
Em todos os locais de quilombos que visitou, o pesquisador Tarcísio José Martins descobriu um fato comum: geralmente tem, no "lugar", uma capelinha ou uma cruz, sempre antigas. Esses marcos, segundo revelam os habitantes das regiões visitadas, foram colocados "ali" porque, "se alguém cavar mais de dois palmos, encontrará muitos ossos humanos". Pensam, os habitantes desses lugares que, "ali" deve ser algum "cemitério indígena muito antigo". Assim, colocaram esses marcos (capelas ou cruzes) para evitar que os locais voltassem a ser cavados.
Dezenas e dezenas de outros quilombos continuariam a surgir, depois de 1760/1770. Porém, não se assemelharam ao Campo Grande. Nenhum deles jamais foi comparado ao Quilombo de Palmares. O Campo Grande é o único que sempre foi comparado pelas autoridades com a famosa Esparta Negra de Zumbi. Nenhum deles recebeu a preocupação e as providências diretamente do Governador da Capitania. Nenhum deles mobilizou tantos recursos e tropas. Nenhum deles teve seus documentos suprimidos e/ou destruídos na própria época.
Esse trabalho, por enquanto, apenas revela os fatos novos, analisa-os e lança a polêmica. As causas de alguns vazios documentais foram elucidadas. A lógica formal preenche esses vazios e destrói versões oficiais, rasgando muitos livros da historiografia mineira. No entanto, a apuração completa da real versão dos fatos que teriam ocorrido nos Quilombos do Campo Grande é missão que um homem não pode dar conta sozinho.
O pesquisador Tarcísio, que já pesquisa o tema há mais de VINTE ANOS, convoca a todos os pesquisadores e pessoas interessadas na HISTÓRIA DO BRASIL a ajudá-lo nesse trabalho de provar, cada vez mais, a verdadeira HISTÓRIA dos Quilombos do Campo Grande... A HISTÓRIA DE MINAS ROUBADA DO POVO!
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